27 de março de 2012

Caso Oscar: a prevalência da lógica e do Direito


Brilhante e clara esta matéria do Emerson Gonçalves, recomento a leitrua a todos para entender bem o que acontece no caso "Oscar".

Nos últimos dias o caso Oscar voltou a ocupar o palco central e a receber as luzes dos holofotes. Embora com alguma demora, a justiça seguiu um desenvolvimento lógico para o imbróglio.

Normalmente, para desagrado de grande parte dos leitores deste Olhar Crônico Esportivo, defendo jogadores e empresários em diversos embates contra os clubes. Nada tenho contra a função e a existência dos empresários, pelo contrário, até, pois considero que eles são necessários ao futebol que hoje é globalizado, tanto para um Vila Xurupita FC da vida, como para um poderoso e rico clube da primeira divisão de nosso futebol. O empresário, ao menos em tese, é um agente, um player, que atua ao lado do atleta e faz uma ligação com os clubes, com o mercado. Trabalhando bem, ele dá visibilidade, transparência (pois é…) e um dinamismo que não teria como existir sem a sua participação.

Sou também, habitualmente, defensor dos direitos do atleta de buscar o melhor para si próprio, movendo-se de um clube para outro conforme for melhor para sua carreira ou para seus interesses de vida. E mais: não enxergo nenhuma relação de dependência ou obrigação de um jovem atleta com o clube que o formou. Isso não existe. Quem forma, forma para ganhar dinheiro, tem um interesse bem claro nessa relação, que nada tem a ver entre uma relação de pai e filho.

O esporte é profissional, seus vínculos também devem ser.

Quando falamos em profissionalismo e das relações entre as diferentes partes entre entidades diversas, entra em cena o que ordena tudo e permite a convivência de interesses diferentes e até opostos: a lei e sua ferramenta do dia-a-dia, o contrato.



Oscar e a falsa volta do “passe”

Anteontem e ontem em seu blog, o jornalista Juca Kfouri (de quem sou fã, leitor e telespectador há “incontáveis” anos) escreveu a respeito desse caso, dizendo e lamentando que a determinação judicial para a reintegração do atleta é um retorno da malfadada “lei do passe”.

Não é, nada tem a ver.

A “lei do passe” era uma excrescência jurídica, um absurdo de concepção escravagista em pleno final do século XX. Foi extinta a partir da Europa em ótima hora. No Brasil, rotineira e erroneamente, e muitas vezes com péssimas intenções, atribuem sua criação a Pelé, cujo nome identifica a lei que regulou, entre outros pontos, a extinção do passe. Uma grande bobagem, pois a lei em si, sua essência, já veio pronta e acabada. Com o fim do passe na Europa e seu reconhecimento pela FIFA, tudo que cabia aos países membros era adotar a mesma legislação. Primeiro, por questão de justiça e progresso nas relações trabalhistas; segundo, para garantir aos nossos clubes a manutenção de seus direitos legítimos sobre os atletas. Se aqui vigorasse o passe, como desejam muitos trogloditas do mundo da bola até hoje, nenhum atleta brasileiro seria negociado por seu clube com outro do exterior. O jogador simplesmente iria embora, assinava com quem quisesse e seguiria sua vida sem nada pagar ou dever ao clube “dono de seu passe” em Terra Brasilis.

Sem o vil e infame passe, a garantia que um clube tem para investir na formação de um atleta ou na negociação de um direito federativo, é o contrato.

Contrato existe para ser cumprido

Cumprir um contrato implica até mesmo o seu rompimento unilateral.

Isso mesmo. Cumprir um contrato no mundo do futebol (vamos nos ater a isso) significa tanto jogar bonito e direitinho todo o seu tempo de duração pelo clube como, também, pegar a trouxinha, fechar a porta do armário e ir embora para qualquer outro clube na hora que bem entender. Desde, é claro, que a multa pela rescisão contratual seja paga.

Desde, é claro, que a multa pela rescisão contratual seja paga.

Esse “pequeno detalhe” faz toda a diferença.

O atleta Oscar não cumpriu sua parte no contrato que tinha com o São Paulo. Rompeu-o, unilateralmente, sem pagar ao clube a compensação devida e estipulada no contrato assinado. Alegou, entretanto, que o clube não cumprira com algumas obrigações e estava em falta com ele.

Perfeito, a lei prevê essa possibilidade para um rompimento contratual sem o devido pagamento de multa. Todavia, como ficou claro na recente decisão judicial, as alegações do atleta (e seu advogado e empresário) foram falsas, não tinham base, não tinham fundamento.

Quem disse tudo isso não foi, como na primeira decisão judicial, um único magistrado de primeira instância, como foi o caso nesse processo, mas sim três magistrados de segunda instância, que decidiram, de forma unânime, pelo clube.

Ora, um processo em segunda instância é analisado com mais rigor e atenção ainda, não só por um, repito, mas por três diferentes juízes ou desembargadores. Que são, normalmente, profissionais com maior tempo de carreira e – por que não? – saber jurídico.  Essa decisão, portanto, deixou claro, deixou patente, que a ação movida pelo atleta fora, tão somente, um artifício com a finalidade de liberá-lo e garantir que os ganhos financeiros na sequência de sua carreira ficassem com ele mesmo e seu empresário, ao invés de ficarem, como era de direito legal, contratual, com o clube formador.

Parece claro, também, à vista dos acontecimentos da época e declarações de outros atletas, como Casemiro, que tudo isso foi parte de uma armação mais ampla, pela qual diversos atletas deixariam o São Paulo FC e entrariam no mercado sem os custos das transferências. Nos casos de Diogo e Piazon o clube reverteu o processo. Os dois atletas, por sinal, já foram negociados, um deles em definitivo e por excelente valor, considerando sua idade. Outros, como Casemiro, negaram-se a entrar na aventura.



A lógica que deve prevalecer

A FIFA é clara: um atleta não pode ter dois vínculos federativos.

O vinculo federativo é uno e indivisível. A rigor, portanto, o direito federativo ou vínculo federativo, só existe de duas maneiras: ele é 100% ou inexiste o vínculo e o atleta pode assinar com quem quiser.

Oscar foi à justiça e perdeu (sim, é possível que seu advogado ainda recorra, mas, assim mesmo, não há efeito suspensivo da sentença). A determinação judicial foi clara, à prova de burro: o contrato antigo foi revalidado, sua extensão aumentada para compensar o período em que o atleta esteve ausente e, portanto, o mesmo deve ser reintegrado ao clube para cumprir o contrato original.

Simples assim.

Não há, portanto, resquício ou possibilidade alguma de tal decisão configurar um retorno da maldita e atrasada “lei do passe”. Tudo que é exigido é apenas o mínimo: Oscar deve cumprir seu contrato com o São Paulo FC.

Ponto.

E, como disse mais acima, cumprir o contrato significa, também, pegar a trouxinha, ou nem isso, pois sua trouxinha já foi pega há muito, e ir embora, passando antes pelo caixa e deixando o dinheiro da multa rescisória.

Simples assim. Pagar a multa é cumprir o contrato.



E o direito do Internacional?

Não existe.

Se o primeiro contrato foi revalidado, e foi, o segundo contrato, assinado entre o Internacional e o atleta, carece de base legal, pois não podem existir dois contratos, um atleta não pode ter dois vínculos federativos. Lógica simples.

Quando assinou com Oscar o Internacional já sabia, como todos no mundo da bola sabiam, que havia um litígio, uma pendência judicial envolvendo a saída do atleta. Mesmo assim, o clube assinou e, posteriormente, segundo se informa, pagou alta soma ao atleta (e seu empresário), referente à aquisição de boa parte de seus direitos econômicos em caso de transferência futura. Esse é um problema a ser resolvido entre as duas entidades: o atleta Oscar e o clube Internacional. Eles que criaram o abacaxi, eles que o descasquem.



A quem interessa essa decisão?

Ao São Paulo, é claro.

E a todo clube brasileiro que conta com a receita das negociações de atletas formados em suas bases.

Portanto, é uma decisão que beneficia o próprio Internacional. Afinal, malandragem desse tipo ou similar poderia ter sido empregada por, digamos, Alexandre Pato. E o  Inter teria amargado tenebroso prejuízo.

Bons clubes que são, Internacional, Grêmio, Fluminense, Cruzeiro, Atlético Paranaense e outros mais, como o próprio São Paulo, vêm se destacando na formação e negociação de atletas. A legislação, tanto a cível e trabalhista brasileira, como a esportiva que é regulamentada pela FIFA, dão algumas garantias aos clubes formadores que são, na vida real, insuficientes. Isso leva os clubes a buscarem um pouco mais de garantia através da assinatura de contratos mais longos com jovens atletas emancipados. E isso exige dos clubes um cumprimento rigoroso de tudo que assinam com seus atletas, pois se houver brecha ela poderá ser aproveitada para uma liberação unilateral sem compensação financeira.

Como disse, a decisão de segunda instância deixou claro que a primeira decisão foi um equívoco total por parte da magistrada que a proferiu. Assim sendo, o São Paulo cumpria suas obrigações “tudo certinho”, quando foi surpreendido pela saída do atleta e sua entrada na justiça. Essa completa reversão do imbróglio, portanto, recoloca tudo nos seus devidos eixos.



A questão da multa rescisória

Ao contrário do que diz o advogado do atleta, em mero jogo de cena para a imprensa, no qual o Departamento Jurídico não acredita, pelo que sabemos, a multa rescisória para Oscar deixar o São Paulo não é de apenas nove milhões de reais ou até menos que isso, como já foi levantado. O atleta ainda tinha contrato a cumprir e este teve sua duração expandida pelo mesmo tempo que ele ficou ausente, como já disse mais acima.

A multa contratual tem por objetivo ressarcir o clube não só do investimento passado, como também dos ganhos futuros. Portanto, seu valor não será limitado à base de cálculo formada pelo salário do mês em que o atleta rompeu ou aos valores pagos anteriormente, mas deverá, também, incluir os valores salariais que seriam pagos futuramente, de acordo com o contrato. Alguns cálculos apontam para 14 ou 15 milhões de reais, mas ainda não sabemos, ou pelo menos não foi divulgado pelo Jurídico do São Paulo, o valor correto da multa.



Então, é isso. Oscar não precisa jogar à força no São Paulo, onde, diz ele, não se sente bem. Se ele quer ir para o Internacional – e essa é a forma verbal correta, uma vez que ele, fisicamente ou não, está no São Paulo – ou outro clube, tem, apenas, que pagar sua multa contratual.

Ao contrário de outrora, quando existia o passe, ele está livre para ir e vir, está livre para jogar onde bem entender.

Tudo que ele precisa fazer é cumprir seu contrato. Nada mais.

Fonte: Globoesporte

Por Tininha

Meu twitter: @tininhardg

5 comentários:

  • VMZINS says:
    28 de março de 2012 às 15:48

    Legal o artigo, bem pesquisado e escrito.
    Porem tem um detalhe que está errado...infelizmente o querido tricolor deu um vacilo judicial, sabe o porque disso?

    A sentença que saiu no dia 21 de fevereiro é de um processo ao qual foi dado entrada no início de 2011 se não me engano...nesse processo o SPFC pedia apenas a anulação do primeiro julgamento.

    A questão é que legalmente falando, o contrato que voltou a valer é o contrato que termina em dezembro de 2012, ou seja, caso o tricolor queira que o tempo em que ele esteve fora jogando pelo inter seja recalculado ele teria que ter reclamado isso no processo ou terá que mover uma nova ação.

    A grande questão é que existe uma falta de concesso até entre o pessoal de direito em relação a se é possível mover essa NOVA AÇÃO.
    Em tese isso é impossível pois o são paulo não poderia mais requisitar esse tempo em que ele esteve no Internacional, afinal pelo pressuposto do direito o próprio SPFC pediu pra revalidar o contrato do jeito que estava, então não tem como ele alegar agora que tal contrato está errado.Seria como uma contradição.

    Eu sei que é meio difícil entender, mas no direito as coisas são sempre nebulosas...falando leigamente "uma coisa é uma coisa, e outra coisa e outra coisa"kkk, não sei se deu pra entender.

    Tem uma entrevista falando sobre esse ponto de um advogado especialista na area esportiva, eu tentei achar o link mas perdi...foi pela radio gazeta se não me engano, o nome do advogado é Jean Nicolau, da uma conferida lá, muito legal.

    Parabéns pelo artigo, saudações tricolores!

  • VMZINS says:
    28 de março de 2012 às 15:52

    aqui ta o link com o audio da entrevista do advogado....

    http://www.correiodopovo.com.br/Player.aspx?Data=03/28/2012%2008:31:07&Arquivo=249683&Ext=MP3&Legenda=Advogado%20afirma%20que%20Inter%20pode%20ter%20que%20pagar%20multa%20pela%20presen%C3%A7a%20de%20Oscar%20no%20Beira-Rio

  • VMZINS says:
    28 de março de 2012 às 15:54

    o engraçado é que essa entrevista e o advogado são de um pessoal do sul, e o apresentador tenta puxar a sardinha pro lado do internacional, mas o advogado demonstra que não tem nada de errado pelo lado do são paulo, kkkk!

  • Unknown says:
    28 de março de 2012 às 17:47

    Interessante o comentário de amigo acima, realmente dá pra ver que tem mais coisa do que a gente imagina nesta briga judicial.

  • Paco says:
    6 de abril de 2012 às 06:22

    Excelente post Tininha. E realmente Jonas, sempre tem algo por de baixo dos panos!