16 de fevereiro de 2012

Caso Oscar - outra visão



Esse caso Oscar tem gerado muita discussão. A mim, particularmente, preocupa o futuro, como coloquei no post O futuro das bases está em jogo… Na justiça

Na oportunidade, disse que o resultado das ações impetradas pelos empresários dos três atletas (vamos dar nome aos bois – não foram os jogadores que entraram na justiça) seria um sinalizador importante para todos os clubes e, nesse sentido, considerando as condições que o São Paulo proporciona aos seus atletas jovens e a clara vontade dos empresários em simplesmente tirar os jogadores e negociá-los mais rapidamente, a vitória do clube nessas ações era do interesse de todos os demais clubes brasileiros, especialmente aqueles que têm boas divisões de base – como o próprio Internacional, diga-se de passagem, que, liberado ou não liberado pela justiça, deu um tiro no próprio pé formador de atletas ao contratar Oscar.

Nos últimos dias conversei com várias pessoas a respeito dessa situação e, um de meus interlocutores foi o Gustavo Fernandes, que é juiz de direito em São Paulo e, amante do futebol, acompanha atentamente tudo que diz respeito ao esporte. Por sinal, suas horas de lazer são ocupadas em parte pela moderação de um fórum de discussões – O Mais Querido – e nesse espaço, periodicamente, ele comenta questões da justiça esportiva e da Lei Pelé. Para facilitar a leitura, nossas conversas foram resumidas em um bate-bola. Antes de passar à nossa conversa, agradeço ao Gustavo por dedicar parte de seu domingo a escrever sobre essa questão para esse OCE, o que vale dizer, para vocês.

1 – Gustavo, o São Paulo conseguiu uma vitória que, na prática, reverte a decisão inicial em relação ao vínculo e ele tinha com o clube, ou seja, o contrato que ele tinha com o São Paulo foi revalidado. Mais: segundo o Dr. Abdalla, essa decisão obriga o atleta a reapresentar-se ao São Paulo, independentemente de quaisquer recursos que venha a apresentar. Pelo teu conhecimento e prática, são corretas essas afirmações? Ele terá mesmo que reapresentar-se?
Primeiramente, vamos destacar qual foi a decisão: o TRT considerou que a sentença de primeiro grau, que rescindiu o contrato de Oscar com o SPFC por culpa do clube, estava errada. Com isso, a rescisão foi revogada e passaram a existir dois contratos válidos e legítimos. É importante compreender isso: o contrato entre Oscar e o Internacional não foi anulado. O clube gaúcho sequer foi parte no processo – nem teria como, pois a sentença foi anterior à contratação de Oscar. Também é manifesta a boa-fé do Internacional, pois contratou o atleta quando este se encontrava liberado por uma sentença sem efeito suspensivo. Com isso, a Justiça se vê obrigada a praticamente escolher entre um dos contratos para seguir valendo. Em SP, citando o caso Marcelinho Carioca como maior precedente, a tendência é dar continuidade ao contrato que já se encontra sendo cumprido, em respeito ao terceiro de boa-fé. Ao clube com contrato anterior, fica uma compensação a ser paga pelo atleta, no valor da multa rescisória devidamente corrigido. Foi exatamente o que aconteceu quando Marcelinho conseguiu uma liberação judicial para atuar no Santos e, posteriormente, perdeu a Ação. Ele não teve que retornar ao Corinthians. A se seguir tal orientação corrente, Oscar não retornará ao SPFC. Para acontecer o que o tricolor anuncia, terá que haver uma mudança de posicionamento, tal como em Goiás quando o zagueiro André Dias, inicialmente liberado, perdeu em primeira instância e foi obrigado a voltar ao clube goiano, forçando o tricolor a fazer um acordo. Pelo que acompanho em termos de noítcias, foi uma posição minoritária. Em termos de perspectiva realista, o mais provável é Oscar continuar onde está e o SPFC virar seu credor em alta monta.

2 – A partir do momento que o contrato anterior é revalidado,o atual contrato feito com o Internacional fica revogado? Afinal, se o contrato anterior era válido e deve ser prorrogado para compensar o tempo ausente, qualquer contrato assinado com um terceiro nesse período fica sem base, se pensarmos em termos lógicos.
Como disse acima, não ocorre a revogação ou a anulação automática do contrato com o Internacional. Há uma diferença entre justo e lógico. Aplicar este raciocínio seria desconsiderar a boa-fé do Internacional e tirar todo o valor da sentença de primeiro grau – a qual se considerou equivocada, mas gerou efeitos concretos no mundo jurídico.

3 – Um contrato pode ser rompido unilateralmente, mas isso é verdade somente a partir do momento que a multa rescisória tiver sido paga, certo? Porque uma federação só pode aceitar um novo contrato de um jogador se o anterior estiver resolvido.
Correto. A Lei Pelé considera, entre outras hipóteses o contrato rompido com o pagamento da multa. Contudo, quando o Internacional firmou contrato com Oscar não havia multa a ser paga. O jogador estava plenamente liberado para seguir a carreira em outro clube. Por isso o contrato com Oscar foi registrado normalmente e, por ora, tal inscrição deve ser mantida.

4 – Algum instrumento pode determinar a validade do contrato assinado com o Internacional?
Válido o contrato é, assim como é válido o contrato do SPFC com Oscar. A questão será quem e como decidirá qual dos dois deve continuar vigente. As coisas ficariam mais claras se o relator do recurso tivesse dito, com todas as letras, se Oscar deveria se reapresentar ou não ao reclamado – no caso, o São Paulo. Como não disse e o Internacional não é parte no processo, a única certeza é que o jogador levou a pior. Ou joga no clube que não deseja, ou continua jogando onde quer, mas fica com uma dívida nas costas. Supondo que sejam os nove milhões de reais cogitados, não é pouca coisa para uma pessoa só.

5 – Qual sua avaliação desse caso?
Falando como um todo: Oscar nunca teve o direito de rescindir o contrato. Mesmo não sendo da área trabalhista (sou juiz cível e criminal), sempre me interessei pela Lei Pelé e até hoje não entendo como pode ter sido proferida uma decisão tão absurda. Imagino que a juíza não tinha experiência no tema esportivo (até porque a porcentagem de casos é ínfima, no conjunto de processos de uma Vara Trabalhista) e confundiu os preceitos. O normal teria sido esta novela ter se encerrado há muito tempo, mas tal sentença gerou a cizânia que estamos vendo. De todo modo, a vitória do SPFC no recurso era mais que esperada. Foi uma aventura jurídica de Oscar, seu advogado e seu empresário. Mesmo tendo permissão para o atleta seguir no Internacional. eles devem ser tidos como derrotados.

6 – Tudo isso pode repercutir sobre os trabalhos de formação de jogadores nos clubes brasileiros?
Não acredito que jovens atletas, que sequer conseguiram um lugar ao sol, arrisquem-se com Ações nas quais podem ficar com dívidas milionárias. Sempre haverá os desavisados caindo em conversas oportunistas, mas esta decisão recursal deve fazer com que continue sendo coisa de uns poucos aventureiros.
Ainda há chão pela frente antes do desfecho desse caso. Nos outros dois casos citados no início, a vitória nos tribunais foi do São Paulo. Resta, agora, a pendência maior. Continuo acreditando, agora ainda mais, depois do posicionamento nítido e unânime dos três desembargadores que julgaram o caso, além das palavras que vocês acabaram de ler, do Gustavo Fernandes, que, no mínimo o pagamento da multa rescisória plena para o clube seja fundamental. Porque a vítima de hoje, o São Paulo FC, pode ser substituído por qualquer outro clube brasileiro no futuro, dependendo, é claro, de como terminar esse caso.

Esse artigo foi escrito por Xandão

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